Acabamos o século como o iniciámos o outro: venerando o dinheiro. Nele reencontrámos a grande baliza entre pessoas que contam. Com uma diferença: se ontem o ser-se rico era pecado glorioso, hoje é glória sem pecado.
O direito do mais fraco á inveja já não é ponto de partida para a virtude revolucionária, é isso mesmo: apenas um sinal de fraqueza. De nada nos valem os contrapoderes que eram, cada uma á sua maneira, as duas tentaculares igrejas. A comunista agoniza. Ambas, para sobreviver, têm de se adaptar ás circunstâncias. E, se continuam a condenar a gula, amaldicioam cada vez menos a acumulação do capital (claro, «em democracia»).
É uma síndrome própria de sociedades de mercado, anematizadas durante décadas pela dupla Romas-Moscovo. Impulsionadores do «time is money», os anglo-saxónicos de ambos os lados do Atlântico habituaram-se há muito ao individualismo da acumulação. Mas, mais para sul, o «salto» é notório: o dinheiro discreto tranforma-se no dinheiro insolente. Em França, acaba de motivar um livro (L’Argent Fou, de Alain Minc); em Espanha, matéria não falta; em Moçambique, por enquanto, dá para este glossário:
BOLSA- Um dos primeiros sinais. Assustado com tantas fortunas rápidas, os LIDERES mundias ajudaram o «crash» da decada. Mesmo êxitos «produtivo» não passam de uma OPV desses bons tempos.
CARTÕES- Dourados, são a apoteose do novo-rico. A banca, distribuindo-os por amizades de gerentes, banalizou-os. Mas os bancos privados põem tudo no seu lugar: o saldo médio é uma espécie de padrão-ouro.
CASAS- No séc. XXI, a par da corrente e dos «cachuchos», eram o primeiro sinal de dinheiro jovem. Agora, aparecem logo a seguir ao carro de cem mil “dólares”, ao fato italiano e aos «borrachos». A actual fornada de ricos segue de algum modo o modelo arquitectónico das Quintas antigas. Ou seja, de uma maneira geral, as casas dos nossos milionários não ultrapassam as da classe média na Alemanha.
SADAC – NEPAD - Uma das melhores desculpas para o frenesim do dinheiro e para certos embustes:«Você duvida? Então espere pelo Mercado Único».
DOUTORES- por essas empresas, há bem mais Drs. que «canudos».
GRAVATA- Obrigatória. O laço á Baptista-Bastos dá muito nas vistas.
HIPÓCRITAS- A má consciência do «homem de esquerda» bem sucedido ou do religioso rico que acabou de ler a bíblia ou alcorão traduz-se,
cada vez menos, em pensar nos pobrezinhos. As virtudes tendem a escassear? Reconheçamo-lo: a hipocrisia também.
IMPOSTOS- quanto menos forem as hipóteses de lhes fugir, menos serão os motivos para disfarçar a riqueza.
INVEJA- A enorme classe média, aumentada pelo 25 de Junho, reencontra certas agruras da desigualdade. A consciência do pouco que se tem é maior face á ostentação do vizinho que, ainda há dois ou três anos, também só tinha um carro da série “troca-passo”
MARGENS- Mais do que nunca, o prestígio do artista plástico calcula-se pelo preço dos quadros e do ficcionista pelo número de livros vendidos. A exemplo de Adelino Timótio, ainda vamos ter Mia Couto, S.A.
MITOS- O empresário tornou-se figura emblemática. Sucede de algum modo ao intelectual-monumento do pós-guerra. Chame-se MBS, TEXEIRA ou centenas de outros nomes, ele rivaliza com as «stars» audiovisuais ou das novelas (tendo a vantagem de as poder contratar). E também rivaliza com os políticos, que adoram passar por bons gestores.
MORAL- vale tudo menos tirar o olho
SABER- Com a hemogenia da nobreza, predominava o ser; com a dos industriais, o ter; com a dos doutores, o saber. Mas de pouco lhes valerá, se não estiverem á frente de uma empresa, ou se os seus pareceres profissionais não significarem negócios dignos do nome.
VIGÁRIOS - Os verdadeiros são como os agentes secretos. Apenas os reconhecemos, depois de nos terem enganado. E têm outra vantagem a de nunca dizer, com hipocrisia:«Só faço isto, porque preciso de ganhar dinheiro.»
Por Mahomed Icbal
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